domingo, 16 de dezembro de 2007

Um pouco de literatura

Um texto JáQ para fãs de Gabo. É... nem toda obra resulta igual à idealização... mas foi válida a tentativa.


Obra Macondo I, de Hernando Nossa Cuadros

Cem Anos de Solidão: a mulher como “obra total” de G. G. Márquez.

Como “obra total” em todos os seus sentidos, Cem Anos de Solidão pode ser analisado sob distintos aspectos. Da tese (real) à antítese (fantástico) (Ascot, p.410), do lírico ao histórico, Gabriel García Márquez entra nos mais diversos mundos da compreensão, “su accecibilidad ilimitada, su facultad de estar al alcance (...) del lector inteligente y del imbécil, del refinado (...) y del impaciente” (Llosa em MÁRQUEZ, p. XXVI). Na complexidade do texto de García Márquez podemos fazer uma análise mais demorada de suas personagens, que, como uma alegoria de toda a Humanidade, reúnem em si todas as características desta. E é, sobretudo, na figura feminina que a análise se faz mais interessante.

Um dos diferenciais do autor está, principalmente, na narrativa simultânea do individual e do coletivo, da pessoa concreta e da sociedade inteira. E é nesse individual que podemos analisar, em especifico, a mulher, o que – justamente por ser parte integrante de uma “obra total” – nos leva à compreensão do todo. Vemos, sob um olhar mais profundo das mulheres Buendía (inclui-se, neste diagnóstico, as não possuidoras do sangue da estirpe), mais do que figuras submissas e relegadas aos cuidados do lar. Vemos, nelas, uma mistura do real e do fantástico, do racional e do emocional (ou irracional, como em Remédios, a bela), além de inúmeras mais características físicas e psicológicas

Poderíamos iniciar uma análise pela única filha dos fundadores dessa Humanidade. Talvez a personagem mais complexa já escrita por García Márquez, Amaranta Buendía pode dar vazão a interpretações de todo gênero. Seu temperamento sombrio, sua aproximação com assuntos relacionados à morte – tece a própria mortalha –, sua negação às relações amorosas escondem, na verdade, o ser mais medroso da obra. Úrsula se dá conta de que sua filha era “la mujer más terna que había existido jamás” (Márquez, p.285), característica comprovada nos seus cuidados com os sobrinhos, tratados como filhos (exceto na sua relação com Aureliano José). Suas atitudes para com Pietro Crespi e com o persistente Coronel Gerineldo Márquez não são ditadas pela vontade de vingança, mas “ambas acciones habían sido uma lucha a muerte entre un amor sin medidas y una cobardía invencible, y había triunfado finalmente el miedo irracional que Amaranta le tuvo siempre a su propio y atormentado corazón” (Márquez, p.286).

Em contraponto, Rebeca, a única filha cujo sangue não é Buendía, “era la única que tuvo la valentía sin frenos que Úrsula había deseado para su estirpe” (Márquez, p.286). Tal constatação leva Úrsula ao arrependimento pelo tratamento dispensado à única “que nunca se alimentó de su leche sino de la tierra y la cal de las paredes” (Márquez, p.286). Eis, talvez, a explicação para o comportamento hostil de Amaranta para com a meia-irmã. O sentimento traduzido como inveja era, contudo, seguido pelo arrependimento. No cúmulo de seu temor frente ao casamento de Rebeca, Amaranta acaba por culpar-se pela morte da pequena Remédios.

Submissas, relegadas aos cuidados da casa, os traços da mulher da Humanidade (aqui, a Buendía) parecem antagônicos à personalidade forte de Fernanda. A “aspirante a rainha”, “amante dos ritos e das formas” (Llosa em MÁRQUEZ, p. XLVI), impõe seus desejos e preceitos à mansão. Mais tarde nos revela, no entanto, a fragilidade comum a todas. A aceitação às imposições do marido explica-se na sua impossibilidade de deixar a vida matrimonial, na qual ganhou a possibilidade de realizar suas ambições de reinado, ainda que seja somente no lar.

Embora não o tenha conseguido, Fernanda procurou transgredir as regras sociais de submissão. E, a partir da idéia da mulher como ser submisso, também vemos uma evolução, assim como na própria Humanidade. Já na última da estirpe, Amaranta Úrsula, a independência do marido já é mais visível.

Essa submissão, contudo, não se vê perante os filhos. Tal aspecto nos permite deduzir a fundamental relevância dessas criaturas no futuro da estirpe. No caso de Úrsula, a autoridade ilimitada chega a ponto do açoite em público, como faz com Arcádio. A partir de então, educa a próxima geração (José Arcádio) para ser Papa. O mesmo faz Fernanda, que decide o destino final das mulheres a partir do momento que encerra a filha Meme em um convento.

Ao contrário de Fernanda, temos a caracterização da mulher doce que, assim, conquista seu espaço. É o caso de Remédios Moscote, a mais jovem e mais madura criatura que já passou pela mansão, quiçá por Macondo. Sua liderança inconsciente do lar foi conquistada pela personalidade suave e pela responsabilidade ingênua, demonstrada em seu cuidado com José Arcádio Buendía, condenado à prisão eterna no castanheiro. Virou Santa e foi chorada por todos quando, recém saída da infância, morreu com gêmeos no ventre (iniciando, assim, a seqüência de continuidade da estirpe pelo lado dos Arcádios). Com sua vitalidade infantil, transformou a rotina de uma casa até então fechada pelo luto e pela tristeza.

Já a tímida, quase invisível, Santa Sofía de la Piedade, “tenía la rara virtud de no existir por completo sino en el momento oportuno” (MÁRQUEZ, p.135). A simplicidade deu origem a Remédios, a bela, a criatura mais pura que já pisou em Macondo, segundo o Coronel Aureliano Buendía. A filha de Santa Sofía de la Piedade foi a única que permaneceu imune aos formalismos e à maldade do mundo, “feliz en un mundo propio de realidades simples” (MÁRQUEZ, p.264).

Meme, ou Renata Remédios, tem o espírito livre e indomável, mas não indiferente. Nela, vemos o retrato da mulher como ser apaixonado. A filha de Fernanda, ao contrário dela, é movida pelo amor não só pelos homens (Maurício Babilônia), como também pelo próprio pai, Aureliano Segundo. Tal característica desperta certo ódio oriundo da própria mãe, retrato da mulher fria e insensível (aparente quando Meme quebra o gelo existente entre a mãe e Amaranta, declarando-lhes seu amor). Nem a tentativa materna de lhe impor a religião – traço marcante e determinante na frieza de Fernanda – fez de Meme diferente. As borboletas amarelas, representação metafórica do amor secreto de Meme por Maurício Babilônia é, também, odiada por Fernanda, pois estas são uma representação oposta à sua personalidade.

Mulheres de fora da casa, mas não menos importantes, Pilar Ternera e Petra Cotes são de influência decisiva para o decorrer da história. Pilar vive quase os cem anos da estirpe e percebe, como Úrsula, a repetição do tempo e dos mistérios em torno dos Buendía. Era, assim como Petra Cotes, capaz de dar prazer aos maridos das mulheres cuja liberdade não se igualava a sua.

É a matriarca da estirpe, no entanto, o ser mais completo não só entre as mulheres, como entre todos os personagens. Em 120 anos, Úrsula nos mostra, ao mesmo tempo, seu lado real (o dinamismo e a racionalidade de mãe de família) e o fantástico (tal quando fica cega e passa a perceber e a sentir mais que os outros). É também essa que não se cansa de denominar a própria casa como “uma casa de loucos”, que mais tarde toma consciência da verdadeira personalidade (e então passamos a conhecer melhor a família) daqueles que outrora julgara.

Úrsula poderia, portanto, ser considerada a personagem mais importante (numa forte concorrência com o Coronel Aureliano Buendía), caso fossemos analisar a obra fora da perspectiva de Macondo como personagem principal. Ela, além de fundadora, acompanha toda a evolução e desenvolvimento daquela terra e vive os “cem anos” observando os ciclos de vida de cada membro da família. Com a experiência de vida que possui, Úrsula vai sendo testemunha das repetições nesse ciclo. “Es como si el tiempo diera vueltas en redondo y hubiéramos vuelto al principio”, dizia a matriarca, em sua lucidez centenária. É ela que, dessa forma, nos traduz a obra. Vivencia toda a história de sua estirpe e conhece (e analisa) todos. É o centro da casa e da vida familiar. Úrsula, embora não independente, como todas, trabalha e faz as reformas na casa, mantendo a sobriedade enquanto o marido se aventura nos negócios.

Por causa da mulher, também, Macondo nasce e se “desenvolve”. Por causa do medo de Úrsula de se entregar ao marido (primo-irmão), José Arcádio Buendía mata Prudêncio Aguilar e foge para fundar a nova cidade. Por causa da busca incansável de pelo filho, Úrsula descobre a rota de comunicação de Macondo com o mundo. Eis, aqui também, uma analogia à mulher como responsável pelas mazelas do mundo, que, curiosa, abre a Caixa de Pandora.

A mulher na obra de Gabriel García Márquez, condenada a “cem anos de solidão” em maior grau até mesmo que todos os Aurelianos de olhares solitários, ainda assim tem papel decisivo. É ela quem cuida da “casa de loucos” e que, ao mesmo tempo, enlouquece; quem traz o pecado, e também quem mostra a solução; quem peca e quem ensina pureza; quem muda passado, presente e futuro. As mulheres Buendía sintetizam o papel da mulher na construção do homem e do mundo.

García Márquez nos mostra, em personagens femininas, uma incrível representação poético-visual. A combinação entre a racionalidade e o lirismo de expressa essencialmente nesses seres que, em sua natureza, são complexos e volúveis, e com os quais o autor soube trabalhar com profundidade. E é, principalmente por isso, que vemos nelas a representação total de uma obra. São elas, juntas, uma “obra total” em si, sem necessidade dos demais elementos.



Referências:

MÁRQUEZ, Gabriel García. Cien Años de Soledad. Real Academia Española e Associación de la Lengua Española. 2007.

ASCOT, Jomí García, em NUÑES, Luis Fernando García (Org). Repertorio Crítico sobre Gabriel García Márquez – Tomo I. Santafé de Bogotá: Instituto Caro y Cuervo, 1995. (p.410)

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

A Bienal que eu gosto

Arte contemporânea definitivamente não é a minha praia. Mas por falar em praia, descobri na Bienal a arte contemporânea da qual gostei. A praia. Ou quase isso.

“Marulho”, de Cildo Meireles, é um convite a segundos de paz. Um mar azul de livros sob um estrado de madeira e os múltiplos idiomas proferindo ‘água’. O oceano como a representação do entendimento entre os povos num mundo globalizado. A paz sob a forma azul-mar.

Eis uma das poucas vezes que pude chamar de arte o que vi naquele cais (que fique claro meu limitado entendimento do assunto). Além de expressiva, a obra desempenha bem a função que a arte contemporânea objetiva, a interatividade. E digo: vale a pena interagir.



Foto: Eduardo Seidl


A obra está exposta na Zona Franca, no Cais do Porto.

Mais informações sobre a Bienal do Mercosul.

sexta-feira, 31 de agosto de 2007

No sufoco

Fazer cultura no Brasil é mais que prova de conhecimento, de sensibilidade. É coragem!
Admiráveis esses que fazem arte. Descobri que padecem perante prioridades da sociedade que falta. Falta educação, falta emprego e, quem diria!, falta até comida. E, nessa falta toda, não poderia deixar de faltar cultura.
Mas o governo (aquele que falta de vez em quando) procura não faltar na área. E eis que as Leis de Incentivo à Cultura nos provam isso. Bem... ao menos é uma boa tentativa.
Pesquisei um pouco sobre o assunto, com enfoque na área cinematográfica. A matéria está meio falha (virginiano deveria ser proibido de exercer o jornalismo...), mas vale dar uma olhadinha aqui.

domingo, 19 de agosto de 2007

Disparates de Goya



Francisco José de Goya y Lucientes criou, a partir de sua suposta loucura, um dos mais incríveis acervos europeus.

Em toda a sua obra, o artista espanhol abrange a sensibilidade e a ironia, a realidade e o sonho. Incrivelmente detalhista, suas obras exigem de seus apreciadores o uso de lupas. Um olhar um pouco mais atento pode revelar grandes surpresas, curiosas expressões, objetos escondidos.

Da angústia à graça, Goya nos leva a mundos desconhecidos, freqüentemente oriundos de seus pensamentos. Em Provérbios ou Disparates, a coleção seguramente mais curiosa e fascinante, a dúvida entre o real e a fantástico revela o caráter irônico de Goya.

Última grande série do artista, Proverbios ou disparates provavelmente não foi um trabalho concluído. Nas 18 gravuras desta série, Goya nos submerge em um mundo de sombras, monstros à espreita, espíritos que abandonam seus corpos, cenas inexplicáveis que parecem arrancadas de sonhos e que seguem sendo hoje em dia um tema de pesquisa e debate. (MASP)

A exposição esteve no MARGS até o início de agosto. Sortudos porto-alegrenses que, durante uma brechinha entre Sampa e Buenos Aires, tiveram tão próximo um dos maiores gênios da arte.

Agora - só para quem for à Espanha - vale conferir.

Matéria

Mais Goya

Mais Disparates

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Artear

Arteando. Do verbo artear. Assim como matear. Um neologismo, um neoverbo. Fazer arte. No meu caso, (tentar) fazer arte a partir da arte. Criticar, elogiar ou, simplesmente, falar. Não entendo de política, de economia, de esporte... nem de arte. Mas da última eu gosto. E entre o gostar e o buscar há uma via de mão única (e de fácil tráfego).

O título desse blog constitui-se de uma singela homenagem àqueles que não acreditam nos meus objetivos, no meu futuro profissional. Digo o meu futuro tal como quero que seja. Uma homenagem a quem torce o nariz quando perguntam ´que área queres seguir do jornalismo?´, e ouvem a tímida resposta: ´cultura´. Arte! ´Sim! É isso mesmo que quero fazer´, respondo.

Pensei em diversos subtítulos. A arte falando, cantando, dançando... enfim. Até que cheguei ao ´comunicando´. Porque, para mim, arte é isso. É comunicar. E comunicar de uma forma diferente, sensível, atraente. Acredito numa revolução social por meio da revolução cultural. E assim, quero ajudar a arrumar a bagunça humana.

Nesse espaço, tentarei falar um pouco do que sei (ou quero saber) e opinar sobre as mais diversas formas de arte. De cultura em geral.

Agora, com licença que vou artear...